Gêmeas

Ava Marie e Leah Rose 

Gêmeas

Tânia e Vânia são gêmeas univitelinas idênticas.
Na maternidade, nem as enfermeiras sabiam qual era uma qual era outra.
A mãe não sabia, o pai não sabia, a parteira não sabia, ninguém sabia.
Na maternidade colocaram uma fita amarela como pulseira em uma delas.
Essa era a única distinção que havia.
Na hora que o pai foi registrar as meninas batizou-as como Tânia e Vânia.
Elas cresceram sendo chamadas atrapalhadamente uma pelo nome da outra, até que uma delas, conversando com a outra, decidiu que se chamaria Vânia, a outra gostou e adotou para si Tânia.
Desse dia em diante, as duas se chamavam pelo diminutivo: Vâ e Tâ ... pra facilitar a fonética, falavam  Vã e Tã.
Quando uma aprontava e mãe chamava a atenção, a outra dizia que não tinha sido ela e sim a outra.
- Mã, Tã é ela, eu sou a Vã.  ... e vice-e-versa.

Essa é a virtude dos irmãos: Mã, não fui eu, foi ela. Mã, não fui eu, foi ele.
Filhos únicos não passam por isso.

Nesse meio do caminho da vida conheci essas duas beldades.
Lá na escola elas entravam juntas, andavam juntas, sentavam juntas, lanchavam juntas, saiam juntas e quando falavam, falavam juntas – e no plural – como se fosse um jogral.
A parte da fala delas era engraçada e o pessoal gostava porque sempre falavam, não importa o que fosse, juntas. 
Parecia peça de teatro ensaiada. Daí a turma fazia de tudo para que elas falassem qualquer coisa.
- Vocês mexem com a gente só pra ouvir a gente falar juntas, né? A gente gosta de falar assim, juntas, afinal, somos gêmeas. 
Quando algum da turma dirigia uma frase para uma delas chamando-a pelo nome a resposta era sempre a mesma:
- Vã é ela, eu sou a Tã.  ... e vice-e-versa.

E, pra matar, elas eram lindas como duas princesas de contos de fadas. 
Não tinha um moleque da escola que não fosse apaixonado por elas.

Ambas eram muito gentis e a todos davam atenção. Quando algum moleque passada dos limites, seja qual fosse o limite, elas sorridentes respondiam em jogral:
- Ah, você é uma gracinha!
Isso quebrava a crista da onda na hora e o galante, sumia na poeira.

Elas eram muito aplicadas em tudo, mas Matemática era um caos para elas.
Nessas aulas, a gente já ficava esperando quando o jogral fosse falar:
- Professora, nós não entendemos muito bem, a senhora poderia repetir?
Só falavam por si quando era pra dizer algo assim:
- Tã é ela, eu sou a Vã. ... ou vice-e-versa
pirado isso!

Num dia chuvoso uma delas me procurou com uma dúvida em matemática.
Suei frio. Aquela boneca, com toda franqueza, vir a mim. Por que eu?
- Porque você sabe muito e a gente precisa passar de ano.
Depois da explicação ela chamou a irmã.
-  Tã, ele sabe topou. 
Marquei no coldre: essa era a Vã.
Jurei pra mim que isso eu nunca mais iria esquecer.
 No dia seguinte lá em casa apareceu o pai delas perguntando para o meu pai se eu poderia dar umas aulas particulares para as filhas.
Desse dia pra frente minha vida virou um inferno.

As aulas eram sempre depois das cinco da tarde, na casa delas.
Quando eu chegava, antes da aula, tinha sempre um café com bolo.
Rolava um lero-lero leve e sempre tinha muita risada.  Mas, quando o jogral rindo dizia:
- Ah, você é uma gracinha! ... esse era o sinal pra parar de graça e começar a aula.

Durante as aulas recapitulávamos o que elas tinham aprendido na aula da escola.
Elas tinham muitas dúvidas e perguntavam, cada uma, o tempo todo. Às vezes nem dava tempo de terminar de explicar.
Sempre que uma fazia uma pergunta, eu não sabia como chamá-la: Tã ou Vã ... ou vice-e-versa
Da primeira vez que eu chamei a que eu achei que era a Tã ela disse:
- Tã é ela, eu sou a Vã. ... e vice-e-versa
Até que um dia, em jogral, me contaram que na maternidade elas foram distinguidas por uma fita amarela.  Pronto: criamos um código entre nós. Desse dia em diante, na nossa aula aquela que estivesse com uma fita amarela no pulso, era a Tã, a outra era a Vã. 
Teve vezes que eu achei que elas sacanearam na minha aula colocando a pulseira errada, mas isso tá  muito Hitchcock pro meu gosto.
Bom, até aí tava fácil.  Fita amarela no pulso, era a Tã e pronto.
Mas, numa tarde uma delas estava fora e só veio a outra. 
Esse foi o pior dia da minha vida. 
Como ela estava sem a pulseira, eu a chamei de Vã, errei.
- Vã é ela, eu sou a Tã. Tirei só pra te atentar, você é tão, tão, tão,  ... me deixa assim ...
Pior, afastou os cadernos, pulou pro meu lado, me pegou, me beijou, me esfregou, me gastou.
Disse que sempre me amou e que nunca disse nada porque a Vã era ciumenta.
Ferrou, quem era essa louca?
Era a Tã, ou era a Vã disfarçada? isso ficou muito Hitchcock pro meu gosto.
Deixei rolar, só piorou.
Nos dias seguintes as aulas foram um sufoco: 
Sempre uma delas dava um jeito de "ir no banheiro" e a outra aproveitava e me pegava.
- Tã sua mãe pode aparecer.
- Não sou a Tã sou a Vã. ... ou vice-e-versa.
As aulas ficaram tensas porque as duas me pegavam igual, mas eu nunca sabia qual.
- Vã sua mãe pode aparecer.
- Não sou a Vã sou a Tã.
Nem nessa hora eu sabia.

Passamos dois meses nesse amasso duplo, ora uma, ora outra me pegava.
E eu sempre errava o nome, piração isso. Parecia que elas faziam de propósito, mas o fato é que eu nunca acertei uma vez.
E, o mais triste aconteceu:
Num dia, quando a nossa aula começou, as duas estavam com a fita amarela no pulso.
Parecendo um jogral, as duas disseram juntas:
- Nós não queremos mais namorar com você.
- Por quê?
Novamente o jogral responde:
- Porque você nunca sabe quem sou eu.

Gêmeas são mais difíceis do que vinte e dois ... e vice-e-versa

Marcio Martini
19/05/2020
#VAIPASSAR
Foto: https://www.awebic.com/ava-marie-leah-rose/


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