Quero Viver Aqui



Araquem Alcantara

Por mais que o tempo passe, existe uma imagem na minha memória que jamais se apagará: O amanhecer de 4 de junho de 1983. 

Na noite anterior saímos, Maria e eu, de São Paulo lá pelas 6 da tarde com uma chuva que inundava o pára-brisas, fazendo com que o limpador não desse conta da tarefa. 

Marinheiros de primeira viagem, a BR-116 era um mistério daqueles horríveis. Cada curva era um perigo e cada buraco um solavanco tanto na suspensão quanto na alma - para onde estamos indo? Na curva do Japonês, quase desistimos. Um caminhão na contra-mão teimava em continuar naquela pista. O jeito foi jogar o carro no acostamento e confirmar que "a BR é mesmo a estrada da morte". 


Depois de passar por Registro o próximo trecho foi realizado com a máxima atenção porque as placas se acabaram. 

Na entrada para Pariquera uma surpresa:  Uma placa indicava Cananeia! 


- "Não estamos tão perdidos" dissemos em uníssono. 

O mapa da Quatro Rodas da Maria estava certo. 

- Agora é só seguir em frente, é logo ali! disse ela toda animada. 

"Logo ali" acabou o asfalto e, como vocês podem imaginar, o lamaçal até a balsa e depois dela foi interminável. 


Felizmente sem encalhar conseguimos chegar na rotatória. 

Perdidos e no meio de uma formidável tempestade perguntamos "onde é o Hotel Glória?". É fácil, vire à direita e depois à direita novamente. É um predião. 


Ufa, chegamos. Era noite, mais de 10 horas, estávamos famintos e, claro, não havia nada aberto além da Pastelaria do Kushihara. 

A chuva continuava impiedosa. 

Fomos dormir com aquele barulhinho de água pingando na calha. 


Acordei lá pelas oito e a chuva havia parado. Abri a janela e, pasmo, acordei a Maria para vivermos juntos uma experiência inesquecível. 


O sol rasgava o céu limpo num vermelho-alaranjado que nem as máquinas digitais são capazes de reproduzir. 

Não havia vento forte, apenas uma brisa fresca soprava do mar. 

No meio do canal, uma batera lentamente puxava uma canoa. 

O único som que se ouvia era do toc-toc-toc do motor. 

Ficamos lá, sem falar, até que a batera sumiu atrás do morro de São João. Depois, por algum tempo continuamos em silêncio olhando e admirando aquilo tudo que se vê nessas manhãs. Na mente apenas uma frase: 

Estamos num paraíso ecológico e isto é um privilégio. 


"Quero viver aqui!" foram as únicas três palavras que a Maria pronunciou.



Marcio Martini

#vaipassar #prosagostosa

https://letraecena.blogspot.com/2021/10/quero-viver-aqui.html

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